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Património pode anular travão na cobrança de dívidas à Segurança Social

O Governo resolveu proteger “rendimentos mensais” mínimos dos beneficiários que receberam prestações sociais indevidas, bem como dos que são envolvidos em processos de cobrança coerciva. Fasquia é colocada abaixo do salário mínimo. Travão depende de diver

CATARINA ALMEIDA PEREIRA catarinapereira@negocios.pt

Foi já publicado o diploma que protege os cidadãos a quem é exigida a restituição de apoios à Segurança Social, ou o pagamento de outras dívidas, quando o seu “rendimento mensal” for inferior ao salário mínimo (820 euros em 2024), mas a regra não é tão linear como possa parecer à primeira vista.

Uma pessoa que receba o salário mínimo não fica necessariamente ou em todos os casos protegida pela nova garantia. Por um lado porque nalguns casos se exige que o rendimento em causa seja “inferior” (e não “igual ou inferior”) ao salário mínimo, como concluem os advogados consultados. Por outro lado, porque a análise terá em conta outros rendimentos e património que o beneficiário possa ter, o que além do salário pode incluir contas bancárias, certificados do tesouro, imóveis que não sirvam para habitação principal, pensões, pensões de alimentos, prestações sociais ou apoios à habitação que sejam regulares, só para dar alguns exemplos.

Em causa está o diploma publicado na última sexta-feira em Diário da República, que entra em vigor em fevereiro e cria novas garantias no âmbito da cobrança e regularização de dívidas à Segurança Social, criando ou aumentando limites de rendimento abaixo dos quais os processos podem ser suspensos.

O diploma em causa, que entra em fevereiro em vigor, começa por alterar as regras que se aplicam quando os beneficiários têm de devolver prestações indevidas, o que pode acontecer por responsabilidade do beneficiário ou da Segurança Social. Até 2018 as prestações indevidas rondaram os 700 milhões de euros, de acordo com um relatório do Tribunal de Contas.

Estabelece-se agora que a interpelação aos responsáveis, necessária para exigir o dinheiro é suspensa “enquanto se verifique que o devedor tem rendimentos mensais inferiores ao valor da retribuição mínima mensal garantida”, uma garantia nova.

A ideia é interromper o processo quando os rendimentos mensais estão abaixo do salário mínimo, o que, segundo explicam os advogados Luís Miguel Monteiro, coordenador do departamento de Trabalho e Segurança Social da Morais Leitão e Zita Medeiros, associada da Cerejeira Namora, abrange quem tem rendimentos abaixo do salário mínimo, mas não necessariamente quem recebe o salário mínimo.

“Se receber 820 euros [de salário, em 2024] não fica suspenso, se receber 819 euros já fica suspenso. É o que decorre do decreto-lei. Na minha opinião devia ser protegida a situação da pessoa que recebe o mínimo, tal como acontece nas demais situações em que se protege a dignidade da pessoa”, considera Zita Medeiros.

Por outro lado, o diploma acrescenta que esta suspensão não é válida – desencadeando-se a recuperação do dinheiro – “caso o devedor tenha património superior ao que a Segurança Social tenha conhecimento, com exclusão da casa de morada da família”. O mesmo acontece para a suspensão do plano prestacional em curso.

Esta norma levantou dúvidas sobre o rendimento e património declarado que será considerado para o “rendimento mensal”.

Questionado, o Ministério do Trabalho (MTSSS) respondeu ao Negócios que “a informação sobre o património é obtida através da interconexão de dados existente entre a Segurança Social e a AT e o IRN”.

“O decreto-lei refere-se a todo o património que seja do conhecimento da Segurança Social, sendo que a suspensão só pode ocorrer enquanto o devedor tiver rendimentos mensais inferiores ao valor da retribuição mínima mensal garantida”, respondeu fonte oficial do MTSSS.

O segundo diploma alterado é o que estabelece as regras do processo executivo, que abrange todo o tipo de dívidas à Segurança Social, como contribuições ou coimas, e não apenas as que resultam de montantes indevidamente pagos, em função do “rendimento disponível” (ver texto complementar).

Como se transforma património em rendimento?

De que forma o património será transformado em “rendimento mensal” para aferir se a pessoa em causa tem ou não rendimentos inferiores a 820 euros em 2024?

Existe um diploma de 2018 com algumas regras, que se seguiu a outro de 2010, ambos desenhados a pensar na harmonização de regras de atribuição de apoios.

Questionado, o Ministério do Trabalho responde simplesmente que “consoante a situação concreta, aplicam-se as regras em vigor, nos termos do decreto-lei n.º 70/2010, de 16 de junho, ou do decreto-lei n.º 120/2018, de 27 de dezembro”.

O Governo não explicou, até à hora de fecho, quando vai recorrer a um ou outro diploma.

Os decretos explicam, por exemplo, como se calcula o rendimento em função dos membros do agregado familiar. Incluem-se aí rendimentos do trabalho dependente, empresariais, de capitais, incrementos patrimoniais, pensões (incluindo pensões de alimentos), subsídios ou apoios sociais, apoios à habitação atribuídos “com caráter de regularidade”, entre outros.

Por rendimentos prediais considera-se também “o montante correspondente a 5 % do valor pa

“O decreto-lei refere-se a todo o património que seja do conhecimento da Segurança Social, sendo que a suspensão só pode ocorrer enquanto o devedor tiver rendimentos mensais inferiores ao valor da RMMG. MINISTÉRIO DO TRABALHO E SEGURANÇA SOCIAL (MTSSS)

“Uma seria análise injusta, que porque olhasse alguém só para pode o ter rendimento um património avultado. LUÍS MIGUEL MONTEIRO Coordenador de Trabalho e Segurança Social da Morais Leitão

“Se receber 820 euros não fica suspenso, se receber 819 euros já fica suspenso. Na minha opinião devia ser protegida a situação da pessoa que recebe o mínimo. ZITA MEDEIROS Associada da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

trimonial tributário dos imóveis de que seja proprietário qualquer um dos elementos do agregado familiar”, excluindo o imóvel de habitação permanente.

Apoios mais protegidos

Se os apoios indevidos forem recuperados através de compensação em prestações em curso (descontados no valor de outros apoios) tal compensação deve garantir um “montante mensal” igual ao valor do salário mínimo nacional (820 euros este ano), em vez do anterior Indexante de Apoios Sociais (509,26 euros este ano) – ou igual à prestação social se o seu valor for inferior, nos casos em que esta substitui os rendimentos do trabalho, como subsídio de desemprego, de parentalidade ou doença. Neste casos, sublinham os advogados, o montante protegido já é o do salário mínimo (a não ser que o apoio em causa seja inferior).

No caso das restantes prestações a compensação deverá proteger um apoio mínimo equivalente ao IAS (509,26 euros este ano), ou o valor do apoio, se este for mais baixo.

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2024-01-09T08:00:00.0000000Z

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