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Vai chamar deus a outro

A NOSSA DEUSA DO JUDO

Soube esta semana que um amigo tem cancro. Não é o primeiro nem será o último. Já me morreram várias pessoas com essa e outras doenças, ou até sem doença – morrer faz parte da vida. E hoje o índice de sobreviventes ao cancro é animador. Ainda assim, a notícia abala. E ajuda a explicar o meu nervoso miudinho esta semana.

Ando há cinco dias com um torcicolo. Hoje, numa visita de rotina ao hospital enfureci-me com uma banal falha burocrática: põem máquinas para ‘simplificar’ (o famoso Simplex de Sócrates), mas depois esquecem-se de que as pessoas não são máquinas. Aqui foi um funcionário que despercebeu e me deu a instrução errada. Acontece. Não havia razão para me enervar tanto. E também me zanguei com a falta de civismo das pessoas a subirem as escadas do metro como se estivessem a fazer natação sincronizada, sem darem espaço a quem quer apanhar o comboio. E nem vos digo o que ontem chamei à minha mulher.

Levei um bocado de tempo a perceber por que ando tão implicativo. O meu amigo. Quando nos dói a dor dos outros, é sempre um misto de altruísmo e egoísmo. Altruísmo: sermos humanos decentes implica isso, empatia. Egoísmo: projetamos em nós mesmos, sempre em nós. Por isso nos comovemos com uma história de amor, por isso celebramos vitórias da ‘nossa seleção’, por isso nos sentimos bem ou mal representados.

Este ano, diria que nunca estivemos tão bem representados nos Jogos Olímpicos. Por um lado, já há medalhas e mais talvez venham. E recordes nacionais foram batidos, o que também é uma vitória. Telma Monteiro, a nossa deusa do judo, foi eliminada à segunda ronda?

Pois também Naomi Osaka, número um do ténis mundial e a jogar em casa. E Simone Biles, a estrela da ginástica americana, a menina que há quatro anos sorria enquanto fazia milagres, desapontou os fãs ao abandonar por ‘motivos psicológicos’. Nos Estados Unidos, país onde Cultura do Vencedor é doentia, o debate está aberto. Haverá os que a chamam traidora e choninhas, mas também há os que reconhecem à moça uma vitória talvez maior do que a contabilidadezinha do medalhame. Sim, este ano os atletas representam-nos bem, recusando ser sacrificados como carneiros num qualquer pirómano altar. Há coisas mais importantes do que uma medalha. Sei lá, a vida.n

FOI ELIMINADA À SEGUNDA RONDA? POIS TAMBÉM NAOMI OSAKA, NÚMERO UM DO TÉNIS MUNDIAL

ESTE ANO OS ATLETAS REPRESENTAM-NOS BEM, ESCUSANDO SER SACRIFICADOS NUM QUALQUER PIRÓMANO ALTAR

POLÍTICA

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2021-07-30T07:00:00.0000000Z

2021-07-30T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/282643215590542

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